Esquissos - 2003 (Toranja)
Atualizado: 21 de fev. de 2021

01 Carta
02 Fogo E Noite
03 Cenário
04 Já Te Perdias
05 Cada Vez Mais Aqui
06 Casca
07 Nada
08 Adormecido
09 Dá-me Ar
10 Fim
11 Por Trás Do Fim
12 Lados Errados
01 Carta
Não falei contigo
com medo que os montes e vales que me achas caíssem a teus pés...
Acredito e entendo
que a estabilidade lógica de quem não quer explodir
faça bem ao escudo que és...
Saudade é o ar
que vou sugando e aceitando como fruto de Verão
nos jardins do teu beijo...
Mas sinto que sabes que sentes também que num dia maior serás trapézio sem rede
a pairar sobre o mundo e em tudo o que vejo...
É que hoje acordei e lembrei-me que sou mago feiticeiro
Que a minha bola de cristal é folha de papel
Nela te pinto nua
numa chama minha e tua.
Desconfio que ainda não reparaste
que o teu destino foi inventado por gira-discos estragados aos quais te vais moldando
E todo o teu planeamento estratégico de sincronização do coração
são leis como paredes e tetos cujos vidros vais pisando
Anseio o dia em que acordares
por cima de todos os teus números
raízes quadradas de somas subtraídas sempre com a mesma solução
Podias deixar de fazer da vida um ciclo vicioso
harmonioso ao teu gesto mimado e à palma da tua mão
É que hoje acordei e lembrei-me que sou mago feiticeiro
Que a minha bola de cristal é folha de papel
Nela te pinto nua
numa chama minha e tua.
Desculpa se te fiz fogo e noite sem pedir autorização por escrito ao sindicato dos Deuses...
mas não fui eu que te escolhi.
Desculpa se te usei como refúgio dos meus sentidos
pedaço de silêncios perdidos que voltei a encontrar em ti...
É que hoje acordei e lembrei-me
Que sou mago feiticeiro...
... nela te pinto nua, nua
Numa chama minha e tua.
Numa chama minha e tua.
Ainda magoas alguém
O tiro passou-me ao lado
Ainda magoas alguém
Se não te deste a ninguém magoaste alguém
A mim... passou-me ao lado.
02 Fogo e Noite
Aconteceu...
e por me teres feito cego
recordo o sabor da tua pele
e o calor de uma tela
que pintámos sem pensar.
Ninguém perdeu,
e enquanto o ar foi cego despidos de passados
talvez de lados errados conseguiste-me encontrar.
Foi dança
foram corpos de aço entre trastes de guitarras
que esqueceram amarras
e se amaram sem mostrar.
Foi fogo que nos encontrou sozinhos
queimou a noite em volta
Presos entre chama à solta, presos feitos para soltar
Estava escrito
E o mundo só quis virar
a página que um dia se fez pesada
E o suor
que escorria no ar
no calor dos teus lábios inocentes mas sábios... no segredo do luar.
Não vai acabar
Vamos ser sempre paixão
Vamos ter sempre o olhar onde não há ninguém
Dei-te mais...! Valeu a pena voar
Estava escrito
E a noite veio acordar
a guerra de sentidos travada num céu
Nem por um segundo largo a mão da perfeição do teu desenho
e do teu gesto no meu...
foi como um sopro estranho...
...e aconteceu...
És noite em mim,
És fogo em mim.
És noite em mim.
03 Cenário
Noite é querer
é poder
é disfarce
é deixar para trás
e largar
Escuro é esconder
é guardar
é um livro esquecido
e papel para escrever
Há uma janela no rio
Há um monte a tapar
Há vento que entra frio
e tu a olhar
Mais uma carta rendida
num cenário que manda dançar
Mais uma dança perdida
e a noite só para lembrar
Que é mais uma carta rendida
num cenário que manda dançar
Mais uma dança perdida
e a noite só para lembrar
Festa é gritar
é ganhar
é correr
é fugir demais
...fugir demais
Há uma janela no rio
Há um monte a tapar
Há vento que entra frio
e tu a olhar
Mais uma carta rendida
num cenário que manda dançar
Mais uma dança perdida
e a noite só para lembrar
Que é mais uma carta rendida
num cenário que manda dançar
Mais uma dança perdida
e a noite só para lembrar
Noite é poder
é querer
é chorar em teus braços
teus olhos
teus traços
teus lábios
meus passos
Em ti eu acabo
Meu fado é o teu fado
Meu fado é o teu fado
Tenta parar!
Mais uma carta rendida
num cenário que manda dançar
Mais uma dança perdida
e a noite só para lembrar
Que é mais uma carta rendida
num cenário que manda dançar
Mais uma dança perdida
e a noite só para lembrar
04 Já Te Perdias
Talvez um dia assim
Talvez um sonho a mais
Talvez pensar andar
Talvez pense acordar
Já te perdias
Foi mais um dia assim!
Se queres ficar aí...
Vai ficando virado para o céu
Vai deixando o tempo passar
Vai trincando o que te dão para comer
Talvez vá o mundo fluir
Para quê pisar sinais
Porquê largar razões
Talvez sopre o vento a favor
Talvez mande tudo para o ar...!!
Já te perdias
Foi mais um dia assim!
És do lado mau...
Vai ficando virado para o céu
Vai deixando o tempo passar
Vai trincando o que te dão para comer
Talvez vá o mundo fluir
Só mais um dia assim…
05 Cada Vez Mais Aqui
Queres lutar com quem?
Para doer aonde?
Para ser o quê?
Achas que ninguém vê?
E para quê fingir?
Porquê mentir e remar na dor?
Achas que ninguém vê?
Também eu queria parar...
chorar
cair
para me levantar,
para te puxar
te fazer sorrir... não voltar a cair
Não me olhes assim!
Continuo a ser quem fui.
Cada vez mais aqui... não dances tão longe
que eu já te vi
Também eu queria parar...
chorar
cair
para me levantar,
para te puxar
te fazer sorrir... não voltar a cair
06 Casca
Continuamos a tratar da casca
Continuamos a moldar a casca
Continuamos a remar de costas
e a provar águas quase mortas
e a viver ruas já pisadas
e a levar pedras já usadas
num saco meio roto
num saco meio morto
Tentamos não manchar a casca
para fazer brilhar a casca
tentamos não parar de costas
tentamos não falhar respostas
Que nunca nos vejam de fora
é para nós que o mundo adora
passos de dança no chão
É para nós que os olhos olham.
Casca é tempo que dói
É janela fechada que estilhaça quando se olha para trás..
Vento é o que bate na cara
é só largar a casca
Ninguém olha para trás-
Tentamos disfarçar demónios
Por medo desviamos olhos
Por fuga apagamos fogos
Por escudos renascemos novos
Sem rasto esquecemos lábios
altivos, rastejamos, sábios
cada vez mais fundo
no buraco do mundo
Com força agarra-se a casca
que é só o que nos resta
que o mastro derreteu
mais tudo encolheu
Quisemos testar barreiras
e construímos teias
difíceis de romper
e aqui ficamos presos
na...
Casca é tempo que dói
é janela fechada que estilhaça
quando se olha para trás..
Vento é o que bate na cara
é só largar a casca!!
Ninguém olha para trás!
07 Nada
Vem rastejar, que te faz bem!
Vem rastejar, que te faz bem!
Implora porquês que eu não vou responder
Geme a chorar, que te faz bem,
Sangra o teu mundo só para eu ver
Afoga-te em tudo o que não queres ter,
que é só o que te vou mostrar
Vou fazer-te só o que não queres ser,
e vais gostar...
Quero-te assim...
Sacrifica o teu ar, que te faz bem,
Sufoca entre panos vestidos de azul
Tortura os teus olhos para veres bem,
que arranhas a voz em tosses sem som.
Afoga-te em águas e cores de lua
Sente o céu quebrar!
Desfaço-te em tudo o que é teu
e vais-me amar...
Quero-te... assim
Só para mim
Quero-te... assim
Só para mim
Só quando o sol te comer a pele
e o luar te roer a alma
na lama que te arranca as asas.
Quando fores ave amarrada
vais voar no meu céu negro
vais ser nada...nada...nada...nada...
Vem rastejar, que te faz bem,
Sangra o teu mundo, que te faz bem!
08 Adormecido
No cenário da tua vida
aclamas noites alucinantes
de gentes estonteantes
que são tanto como tu
No teatro do teu olhar
há quem note que a coragem
não passa de uma miragem
com preguiça de gritar
No repetir do teu mostrar
inventaste uma história
de que em ti não há memória
porque sabes que não é tua
Houve alguém que te conheceu
que te faz tremer ao passar
porque nunca a deixaste de amar...
Continuas a ensaiar
a conveniência do sorriso
o planear do improviso
que te faz sentir maior
No artifício dos teus gestos
pensas abraçar o mundo
quando nem por um segundo
te abraças a ti mesmo
E assim vais vivendo
e assim andando aí
e assim perdendo em ti
tudo aquilo que nunca foste
Houve alguém que te conheceu
que te faz tremer ao passar
porque nunca a deixaste de amar
Quando um dia acordares
numa noite sem mentira
e te vires onde não estás
vais querer voltar para trás.
09 Dá-me Ar
Dá-me ar
Dá-me espaço para respirar
Dá-me tempo para sofrer
Quero alcoól para comer
Quero um muro para espancar
Até doer...
Dá-me ar
Quero vento para tentar
Quero luz só para me ver
Quero ferro para trincar
Quero olhar de frente o sol
Até queimar...
Dá-me ar...
Quero mais
Quero um trono para perder
Quero um quarto para gritar
Quero gente para roer
Quero um mundo para puxar
Até morrer...
Dá-me mais
Quero terra para comer
Quero Deuses para lutar
que o mais fácil é perder
que o difícil é pensar
em acordar
Dá-me ar...
Dou-te cor
Dou-te vidas para cantar
Dou-te raiva para dançar por cima do que é meu
Dá-me ar.
10 Fim
Neste infinito fim que nos alcançou
guardo uma lágrima vinda do fundo,
guardo um sorriso virado para o mundo,
guardo um sonho que nunca chegou
Na minha casa de paredes caídas
penduro espelhos cor de prata,
guardo reflexos do canto que mata,
guardo uma arca de rimas perdidas
Na praia deserta dos dias que passam
falo ao mar de coisas que vi
falo ao mar do que conheci...
No mundo onde tudo parece estar certo
guardo os defeitos que me atam ao chão
guardo muralhas feitas de cartão
guardo um olhar que parecia tão perto
Para o país do esquecer o nunca nascido
levo a espada e a armadura de ferro,
levo o escudo e o cavalo negro,
levo-te a ti para sempre comigo
Na praia deserta dos dias que passam
Falo ao mar de coisas que vi
Falo ao mar do que nunca perdi.
11 Por Trás Do Fim
Por trás do fim,
por trás de nós,
por trás de ti
estamos só no que o dia quis deixar
Mais um tiro que marcou
mais um grito que ficou,
põe a tempo a girar
Só queria estar bem aqui
Por acabar vou querer ficar
Para quê ser mais alguém
Para quê fingir papéis
se não vou viver de cor
Que é tão bom deixar andar,
deixar o tempo nos levar,
Já não sei viver de cor...
Só queria estar bem aqui
Por acabar vou querer ficar
Já dançamos demais
Já fugimos demais
Já perdemos demais
e quis parar
Restou a saudade de ser
demais.
12 Lados Errados
Largaram-me a mil metros do chão
Largaram-me porque me agarrei
numa alucinação de vida
que me enchia o coração
e que agora vejo perdida
num cair que já não sei
Largaram-me a mil metros do chão
Reparo o sol que se afasta no ar
Rasgo caminho onde o vento dormia
Adormeço sentidos no meu furacão
E enquanto sol anuncia o dia
sinto o meu corpo, desamparado, deslizar...
Perdi-te do lado errado do coração
Eras tu o meu chão...
Enquanto caía a terra rachou
e eu via a queda ainda mais funda
Ao meu lado passava tudo o que passei
comigo a miragem que nada mudou
do voo rasante que nem começou
do tempo apressado que nem reparei
Sinto os meus gestos flutuar, devagar
no último segredo antes do ódio
À minha frente um filme de aves sem voz
e quando as ouvi resolvi gostar
Quando as senti fiquei a amar
ter tentado subir ao cimo de nós
Amei-te do lado errado do coração
Eras tu o meu chão...
Não sei ao que chamam lados do coração
Mas és tu o meu chão...
és tu o meu chão…